As Práticas de Marketing nas Empresas de Alimentos
O consultor do SMG, Helder Haddad, em conjunto com pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF) da Escola de Propaganda e Marketing (ESPM) escutaram mais de 114 profissionais de empresas industriais de alimentos do Estado de São Paulo na tentativa de mapear quais são as práticas de marketing mais utilizadas no mercado.
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As práticas de marketing nas empresas industriais e do setor de alimentos
*Claudio Saito, Cleber Figueiredo, Ismael Rocha, Andréas Belck, Helder Haddad e Marcelo D’Emídio são pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF) da ESPM.
Introdução
Nas escolas, acadêmicos estudam e discutem as estratégias e práticas de marketing apresentadas nos livros, artigos e pesquisas. Ao mesmo tempo, profissionais de mercado executam as mesmas atividades de marketing, baseados não só no aprendizado prático obtido no desempenho das atividades dentro da organização, mas também no conhecimento teórico adquirido nos cursos de graduação e pós-graduação.
Se realmente existe a busca do referencial teórico e acadêmico no desempenho das atividades de marketing nas empresas, surgem as seguintes questões: quais técnicas e processos estudados nas academias estão sendo realmente aplicados? E de que forma? Enfim, até que ponto as “práticas de marketing” nas empresas estão alinhadas às teorias de marketing estudadas nas escolas? Essas são algumas das questões que nortearam uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF) da ESPM com o objetivo de identificar as principais práticas de marketing das indústrias do setor de alimentos no Estado de São Paulo.
Este artigo apresenta os principais resultados dessa pesquisa, realizada no segundo semestre de 2008 junto a 114 profissionais de marketing atuantes em empresas industriais do setor de alimentos no Estado de São Paulo. Segundo a Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (ABIA), essa indústria é dividida nos segmentos de laticínios, beneficiamento de café, chá e cereais, derivados de carne, óleos e gorduras, derivados do trigo e açúcares, derivados de frutas e vegetais, diversos, chocolate, cacau e balas e conservas de pescados. Nos últimos três anos, a participação da indústria de alimentos em relação ao PIB nacional foi de 8,8% em 2006, 8,9% em 2007 e 9,3% em 2008. Em relação à taxa de emprego, a indústria dealimentos empregou 1.274.800 pessoas em 2006, 1.385.200 pessoas em 2007 e 1.418.200 pessoas em 2008 (ABIA, 2009).
Principais resultados da pesquisa
Nos tópicos abaixo são apresentados os principais resultados obtidos através de análise dos dados e informações coletadas na pesquisa. Os dados foram consolidados por porte de empresa (micro, pequena, média e grande) ou totalizados, de acordo com o tipo de análise.
Baixa utilização do planejamento de marketing
De acordo com a teoria, todas as empresas devem iniciar o processo de administração de marketing com um planejamento de marketing. Mas segundo o levantamento realizado pela pesquisa (Tabela 1), apenas 18% das pequenas e 27% das médias empresas realizam planejamento de marketing. Nas grandes empresas, a porcentagem sobe para 53%.
Tabela 1 – Elaboração de planejamento de marketing
Pequena Média Grande
18% 27% 53%
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF/ESPM).
Entre as empresas que realizam o planejamento de marketing, buscou-se verificar o nível de utilização de conceitos e modelos recomendados por pesquisadores e acadêmicos da área (DIAS, 2006; KOTLER E KELLER, 2006; CHURCHILL E PETER, 2000; BAKER, 2005; KERIN, 2007;ALBAUM, 2006; CAMPOMAR E IKEDA, 2006; SCARE, 2008) na elaboração dos planos. Os dados (Tabela 2) mostram que a utilização dos itens apresentados em pequenas empresas é baixa, girando em torno de 15% de utilização. Nesse caso, os respondentes que afirmaram utilizar a primeira das ferramentas também responderam positivamente para todas as demais alternativas, com exceção do tópico Matriz BCG, que não foi citado por nenhuma das pequenas empresas. Nas médias empresas, a utilização dos tópicos apresentados variou de 13% a 24%, e nas grandes empresas a utilização foi maior, variando de 20% a 53%. Nos últimos dois casos, a matriz BCG foi o tópico menos utilizado, com apenas 13% de utilização nas médias empresas e 20% nas grandes empresas.
Tabela 2 – Itens abordados no planejamento de marketing
Itens / Porte Pequena Média Grande
Objetivo e metas 15% 29% 53%
Análise da concorrência 15% 29% 48%
Principais ações e verbas 15% 29% 47%
Posicionamento 15% 23% 47%
Análise do marketing mix 15% 23% 47%
Definição dos segmentos e público alvo 15% 26% 43%
Cronograma de ação 15% 26% 43%
Análise SWOT (forças, fraquezas, ameaças, oportunidades) 15% 19% 40%
Matriz Boston Consulting Group (BCG) 0% 13% 20%
Fonte: Núcleo de pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF/ESPM).
Quem executa as atividades de marketing
A pesquisa avaliou o envolvimento do departamento de marketing e outros departamentos na execução das atividades relacionadas ao marketing mix e sistema de informação (Tabela 3). Os dados mostram que, em média, 40% das atividades apresentadas são executadas exclusivamente pelo departamento de marketing. Em média, em 29% das respostas, o departamento comercial executa as atividades consideradas de responsabilidade de marketing. A atividade mais executada exclusivamente pelo departamento de marketing é a gestão de ferramentas ligadas à comunicação (propaganda e marketing direto), seguida, respectivamente, pela atividade de gestão de produtos e das ferramentas ligadas ao sistema de informação (análise da concorrência e pesquisa de mercado). Nas atividades de definição do preço e políticas de distribuição, existe menor participação exclusiva do departamento de marketing e aumenta a exclusividade do departamento de vendas. Na execução de estratégias de ponto de venda, sobressai a participação conjunta dos departamentos de marketing e comercial.
Tabela 3 – Atividades realizadas por departamento
Atividades / Departamento Marketing Comercial Mkt. e Coml. Outros
Propaganda e marketing direto 72% 1% 11% 16%
Gestão de produtos 58% 20% 7% 15%
Pesquisa de mercado 56% 18% 5% 20%
Análise da concorrência 52% 30% 11% 7%
Definição do preço 18% 52% 13% 17%
Promoção no ponto de venda 14% 25% 41% 19%
Políticas de distribuição 8% 58% 8% 26%
Média dos setores 40% 29% 14% 17%
Desvio-padrão 26% 20% 12% 6%
Mediana 52% 25% 11% 17%
Coeficiente de assimetria -18% 34% 238% -40%
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF/ESPM).
Analisando a porcentagem de execução dessas atividades pelo departamento de marketing – exclusivamente ou em conjunto com o departamento comercial – por porte (Tabela 5), percebe-se que nas grandes empresas a atuação do departamento de marketing é maior nas atividades de comunicação (propaganda e marketing direto), gestão de produtos e ferramentas relacionadas ao sistema de informação (pesquisa de mercado e análise da concorrência). Nas empresas de porte médio a porcentagem de execução das ferramentas pelo departamento de marketing é relativamente menor, mas apresenta resultados similares. Nas pequenas empresas, as porcentagens de realização das atividades pelo departamento de marketing apresentam-se muito inferiores aos demais portes.
Tabela 5 – Atividades realizadas pelo marketing – por porte
Atividades / Porte Pequena Média Grande
Propaganda e marketing direto 35% 74% 87%
Gestão de produtos 25% 61% 82%
Análise da concorrência 35% 58% 77%
Pesquisa de mercado 40% 58% 73%
Promoção no ponto de venda 35% 65% 58%
Definição do preço 0% 29% 45%
Políticas de distribuição 0% 29% 13%
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF/ESPM).
Nas atividades de promoção no ponto de venda e políticas de distribuição, embora pareçam ser realizadas em menor grau pelo departamento de marketing, não o são, já que testes de homogeneidade realizados mostraram não haver exclusividade dessas atividades por nenhum departamento. Já a definição de preço é executada em menor grau pelo departamento de marketing. Por consequência, em relação ao marketing mix existe maior execução das atividades relacionadas aos “Ps” de produto e promoção (exceto promoção no ponto de venda) pelo departamento de marketing e execução indiferente em relação aos “Ps” de preço e distribuição.
Grau de utilização das ferramentas de marketing e comunicação
Além de avaliar a responsabilidade do departamento de marketing na execução das atividades, a pesquisa também avaliou o grau de utilização das principais ferramentas de marketing e comunicação nas empresas. A escala Likert variou de 01 (não utiliza) a 05 (utiliza muito). Nas pequenas empresas (Tabela 6), a utilização foi inexistente ou baixa na maioria das ferramentas apresentadas, com exceção dos itens “participação em feiras”, “descrição do posicionamento dos produtos” e “página na internet”, onde houve grande variabilidade de respostas. Entre as ferramentas menos utilizadas destacam-se a utilização do CRM (customer relationship management) e a análise do ciclo de vida do produto (CVP).
Tabela 6 – Grau de utilização de ferramentas de marketing e comunicação – pequenas empresas
Ferramentas / Grau de utilização 1 2 3 4 5
Utilizar CRM 60% 0% 10% 20% 10%
Análise do ciclo de vida de produto 50% 15% 5% 15% 15%
E-mail marketing 40% 25% 25% 0% 10%
Propaganda 40% 35% 15% 10% 0%
Promoção de vendas 35% 10% 25% 10% 20%
Marketing direto 35% 20% 30% 10% 5%
Sistema estruturado para análise da concorrência 35% 25% 15% 15% 10%
Promover eventos / patrocínio 30% 40% 15% 10% 5%
Participação em feiras 25% 15% 20% 25% 15%
Descrição do posicionamento dos produtos 25% 25% 20% 20% 10%
Página na internet 5% 30% 25% 15% 25%
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF/ESPM).
Nas médias empresas (Tabela 7), as ferramentas menos utilizadas são, na sequência, o marketing direto e a utilização do CRM. No caso do e-mail marketing e promoção de eventos e patrocínios e utilização de propaganda, os resultados foram mais dispersos. Nos demais itens, a pesquisa demonstra que existe maior utilização das ferramentas.
Tabela 7 – Grau de utilização de ferramentas de marketing e comunicação – médias empresas
Ferramentas / Grau de utilização 1 2 3 4 5
Marketing direto 39% 16% 16% 13% 16%
Utilizar CRM 32% 23% 32% 13% 0%
E-mail marketing 29% 7% 29% 26% 10%
Promover eventos / patrocínio 26% 13% 26% 26% 10%
Análise do ciclo de vida de produto 23% 13% 16% 23% 26%
Página na internet 13% 7% 26% 16% 39%
Propaganda 13% 26% 23% 7% 32%
Sistema estruturado para análise da concorrência 7% 13% 16% 39% 26%
Participação em feiras 7% 19% 36% 3% 36%
Descrição do posicionamento dos produtos 3% 13% 23% 32% 29%
Promoção de vendas 0% 6% 10% 42% 42%
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF/ESPM).
Nas grandes empresas (Tabela 8), a utilização das ferramentas de CRM, análise do ciclo de vida do produto, e-mail marketing e marketing direto obtiveram menores notas, com destaque novamente para o CRM. O item “sistema estruturado para análise de concorrência” obteve maior porcentagem de resposta em posições medianas da escala. Para os demais itens, apesar da variabilidade, as respostas indicam bastante utilização das ferramentas.
Tabela 8 – Grau de utilização de ferramentas de marketing e comunicação – grande empresas
Ferramentas / Grau de utilização 1 2 3 4 5
Utilizar CRM 42% 25% 23% 8% 2%
Análise do ciclo de vida de produto 28% 22% 23% 18% 8%
E-mail marketing 28% 32% 23% 12% 5%
Marketing direto 27% 25% 30% 12% 7%
Descrição do posicionamento dos produtos 12% 12% 25% 25% 27%
Propaganda 12% 22% 23% 25% 18%
Página na internet 8% 18% 23% 20% 30%
Promoção de vendas 3% 12% 15% 33% 37%
Participação em feiras 3% 15% 28% 27% 27%
Promover eventos / patrocínio 2% 28% 28% 20% 22%
Sistema estruturado para análise da concorrência 2% 28% 32% 28% 10%
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF/ESPM).
Em relação ao assunto, segundo a amostra pesquisada pode-se afirmar que nas pequenas empresas existe baixa utilização de ferramentas descritas por pesquisadores e acadêmicos em livros, pesquisas e artigos. As médias e grandes empresas apresentam comportamentos similares, com maior utilização das ferramentas, apesar da dispersão apresentada nas respostas.
Análise e controle das atividades de marketing
Na análise e controle das atividades de marketing as empresas utilizam, entre as alternativas apresentadas (Tabela 9), principalmente as medidas de desempenho financeiras (faturamento, volume de vendas e margem por produto ou linha de produto) e análise da concorrência, havendo pouca diferença na proporção de utilização dessas análises por empresas de diferentes portes. Como medidas específicas de marketing destacam-se a análise da concorrência e do posicionamento de marcas e produtos. As ferramentas menos utilizadas para a análise e controle, independentemente do porte estão ligadas à avaliação de portfólio de produto: matrizes BCG (Boston Consulting Group) e GE (General Electric). Enquanto médias e grandes empresas apresentam poucas variações, as pequenas empresas apresentam, em média, menor utilização das análises apresentadas para análise e controle das atividades de marketing.
Tabela 9 – Análise e controle de marketing – por porte
Análises / Porte Pequena Média Grande
Faturamento/Vendas 80% 87% 90%
Margem por produto/Linha de produto 50% 65% 75%
Análise de concorrência 65% 65% 62%
Posicionamento de marcas e produtos 30% 42% 43%
Análise de pesquisas (Nielsen, Latin Panel, etc.) 15% 45% 47%
Ciclo de vida do produto (CVP) 15% 32% 50%
Índice de satisfação dos clientes 20% 26% 27%
Market Share 10% 23% 32%
Matriz Boston Consulting Group (BCG) 5% 26% 22%
Matriz General Electric (GE) 0% 6% 12%
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Marketing e Finanças (NPMF/ESPM).
Conclusão
A pesquisa revelou que nas grandes empresas, em geral maiores usuárias das ferramentas de marketing na pesquisa, aproximadamente cinquenta por cento (50%) elaboram planejamentos de marketing. A utilização dos tópicos do plano de marketing apresentados variou de 20% a 53% de utilização nas grandes empresas, com destaque para o tópico menos utilizado, a matriz BCG, com apenas 20% de utilização. Nas médias e pequenas empresas a utilização do planejamento e tópicos do planejamento é ainda menor. Apesar da recomendação dos acadêmicos e pesquisadores, a maioria das empresas não elabora o planejamento de marketing e, quando o faz, apresenta baixa utilização das tradicionais ferramentas tradicionalmente estudadas.
A gestão do marketing mix é definida, pelos acadêmicos pesquisados, como a principal atividade dos departamentos de marketing, mas na realidade da indústria de alimentos existe maior envolvimento dos profissionais desses departamentos nas atividades relacionadas aos “Ps” de produto e promoção (exceto promoção no ponto de venda) e nas ferramentas ligadas ao sistema de informação (análise da concorrência e pesquisa de mercado), com menor envolvimento nas atividades relacionadas aos “Ps” de preço e distribuição. No caso da definição do preço existe maior envolvimento do departamento comercial. Portanto, para que o profissional de marketing possa realmente agir de acordo com a teoria, influindo em todo o marketing mix, deve estar muito próximo dos colegas do departamento comercial e de outros departamentos responsáveis por atividades que não são exercidas predominantemente pelo departamento de marketing (promoção no ponto de venda e políticas de distribuição), negociando e alinhando as estratégias e ações dos departamentos.
Entre as ferramentas menos executadas pelo departamento de marketing, em todos os tamanhos de empresas, destaca-se a utilização do CRM. Além do CRM, nas médias empresas a ferramenta menos utilizada foi o marketing direto, e nas pequenas e grandes empresas a análise do ciclo de vida do produto (CVP) e o e-mail marketing. O CRM e a teoria do CVP são assuntos muito discutidos na academia, mas, segundo a pesquisa, não muito aplicados nas indústrias do setor de alimentos. Na análise e controle das atividades de marketing, todas as empresas utilizam principalmente as medidas de desempenho financeiras (faturamento, volume de vendas e margem por produto ou linha de produto) e análise da concorrência. Ainda existe muito espaço para a aplicação de modelos e métricas de marketing nas empresas.
A pesquisa indica que muitas das teorias e modelos de marketing, estudados e discutidos nas academias podem (deveriam) ser utilizados com maior intensidade nas indústrias do setor de alimentos no Estado de São Paulo. Para que isso aconteça, cabe aos pesquisadores a continuidade do trabalho de pesquisa e desenvolvimento para aprimoramento de novos modelos e teorias que possam ser mais utilizadas nas empresas. Aos acadêmicos, cabe a continuidade do trabalho de transmissão e discussão das teorias e práticas de marketing para os profissionais de marketing, demonstrando o valor desse conhecimento no desempenho das pessoas e organizações. Mas, no final, o principal agente dessa mudança serão os profissionais de marketing das empresas, pois cabe a eles aplicação ou não das práticas de marketing indicadas pela academia. São eles que escolhem as teorias e conhecimentos realmente importantes para o desempenho das práticas de marketing na busca de resultados pessoais e organizacionais.
Artigo Extraído de: Revista Marketing, edição de fevereiro de 2010. Link: http://www.revistamarketing.com.br/materia.aspx?m=449